1 de maio de 2013

Hoje sabemos que dia é o nosso, amanhã quem o dirá...

Sai infantaria dezassete, um tenente dela, também Contente, e dezoito praças, pela calada do comboio da noite, trinta e oito olhos para vigiar cinco trabalhadores rurais acusados de sedição e incitamento à greve. Vão ser entregues ao governo, informa o nosso solícito correspondente, este governo é uma misericórdia, um mãos largas para entregas tais. E é outra vez Maio, senhores. Lá vai o comboio, lá vai, lá vai ele a assobiar, lá vão os cinco rurais, ao Limoeiro penar. Nestas barbarescas eras andam os comboios devagar, param nos descampados sem nenhum motivo que se saiba, talvez um apeadeiro de emboscada e morte súbita, e a carruagem fechada em que são transportados os malfeitores vai de cortinas corridas, se há cortinas em tempo de Lamberto Horques, se tais desvarios se usam em carruagens de terceira classe, e as praças de infantaria dezassete levam as espingardas aperradas, talvez baioneta, quem vem lá passe de largo, saindo ao campo dez de cada vez que o comboio pára, por prevenção de assaltos e tentativa de libertação dos presos. Não estão autorizados a dormir os pobres soldados e fitam nervosos os rostos duros e sujos dos cinco malandrins, tão parecidos contigo. E quando se me acabar o tempo da tropa, sei lá, irmão, se não haverá outro soldado que me prenda e leve desta maneira a Lisboa, no comboio da noite, na escuridão desta terra, Hoje sabemos que dia é o nosso, amanhã quem o dirá...

Levantado do Chão - José Saramago
(desenho de José Dias Coelho)

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