Nesses anos da minha infância, a fome nos campos do Alentejo era muita. Sem um quinhão de terra para cultivarem, as famílias viviam das magras e esporádicas jornas, ao sabor dos caprichos do Sol, das chuvas e das geadas.
Sem trabalho, os cifrões cresciam no livro dos fiados, na venda da aldeia, sem esperança de os ver reduzir ou apagar.
Os homens, nunca as mulheres, acabavam por vir para a cidade, pedir esmola. Vinham aos grupos de três ou quatro, não para se imporem pelo número, mas porque se envergonhavam e intimidavam se viessem sozinhos. Batiam-nos à porta e, tendo vindo abrir-lha, cumprimentavam de chapéu na mão e o que falava apenas dizia que não tinham trabalho e que precisavam de levar de comer para os filhos.
Voltando à cozinha, a chamar a minha mãe, dizia: - Estão ali os trabalhadores do campo, a pedir!
Não lhes chamávamos pobrezinhos nem, muito menos, mendigos porque, de facto, não o pareciam nem eram. Tinham dignidade e majestade e, na resignação que mostravam, adivinhava-se a revolta dentro do peito. Pediam pão ou algum dinheiro para comprarem avio que levassem de volta para casa. A minha mãe respeitava-os profundamente e dava-lhes o que podia, como se fossem irmãos. Sem que o dissesse abertamente, ensinou-me a amá-los. E, embora a vida fizesse mais de mim um menino, um rapaz e um homem da cidade, sempre me senti filho do campo e irmão dos camponeses.
Com eles, não só aprendi a olhar os homens e a natureza, como fiquei a saber o que é comer “pão com navalha”, uma forma muito expressiva de dizer pão sem conduto, e que “açorda de mão no bolso”, no seu sentido crítico pleno de humor, muito comum neste povo, significa que, não havendo na tijela mais do que o caldo e o pão migado, só se usava a mão que pegava na colher.
Galopim de Carvalho
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