3 de agosto de 2013

Supertaça de Portugal - Cândido de Oliveira: Alentejano pois claro !

Natural de Fronteira (Portalegre) — 25 de Setembro de 1897 a 23 de Junho de 1958.
Cândido nasceu numa terra onde o pão se amassa(va) com lágrimas.
E o trigo já tinha sabor a fogo. Ou a sangue. Em Fronteira. No Alentejo. Era o último de 10 irmãos de uma família de poucos teres. 
Por isso o levaram, pequenino, para a Casa Pia. Em Belém, se deu asas ao sonho do futebol que descobrira nas ruelas da aldeia com bolas de trapos, descobriu, também, que a vida só poderia ter sentido com solidariedade. Com coração. Sempre. Pequenino, revelou-se logo de uma inteligência do tamanho da sua sensibilidade. E com um ardor físico ao nível de ambas. Da equipa do colégio saltou, naturalmente, para o Benfica. Pela mão de Cosme Damião, o casapiano que se tornara seu ídolo. Jogou futebol com muito brilho, ganhou campeonatos de luta greco-romana.

Mas Cândido nunca foi capaz de ceder ao seu sentimentalismo. Quando, em 1919, um grupo de casapianos que se aconchavara no Benfica decidiu formar o Casa Pia Atlético Clube, não teve dúvidas: mudou de camisola. Ribeiro dos Reis e Vítor Gonçalves (esse mesmo, o pai de Vasco, que no PREC haveria de ficar famoso...) resistiram e continuaram de águia ao peito. Apenas com ligação sentimental ao Casa Pia. E com as quotas sempre em dia. Foi com a camisola dos gansos que Cândido de Oliveira jogou na primeira Selecção Nacional. Contra a Espanha. Em 1921. Era magnético o seu carisma. Por isso, sem surpresa o escolheram para capitão da equipa das quinas...

Nesse comenos era funcionário superior dos Correios. Para onde entrara em 1915, com 19 anos. E também era o redactor principal do jornal Vitória, um dos primeiros periódicos desportivos editados em Portugal. Não muito depois passaria a redactor de O Século e de outros jornais que foram morrendo, entretanto, como o Football e Os Sports. Não era apenas um homem dos futebóis. Era um homem de cultura e de solidariedade no futebol. E na vida. 

Sempre com um aguçado instinto de reportagem e de crítica de injustiças.  Com dignidade. 
Um dia, em Abril de 1925, em O Século mandaram-no fazer a cobertura das acções de preparação e de estratégia das tropas governamentais. Foi e fez o trabalho com a perícia costumeira. A reportagem ficou no tinteiro, mas Cândido saberia, não muito depois, que as informações que recolhera tinham sido transmitidas ao pormenor aos revoltosos precursores do 28 de Maio! Demitiu-se do jornal, como protesto pelo abuso de que tinha sido vítima. Conspirara contra a democracia sem o saber, porque alguém lhe transformara a profissão em espionagem. Só voltou à Redacção quando percebeu que o jornal se democratizara. Na medida do possível...

Era homem a quem não faltava tempo. Trabalhava, treinava-se, cultivava-se. E nunca perdia o sentido da acção social. E política.
Em Abril de 1942 foi preso pela PIDE. Estava em casa. Tocaram. Entraram...



Eram os torcionários riscando-lhe a noite de mágoa. Espancaram-no ferozmente e foi de boca a sangrar, o corpo amachucado, os dentes partidos, que ele embarcou para Cabo Verde, a caminho do Tarrafal. Desse dia trágico da prisão na sua casa na Rua do Forno do Tijolo nasceria a suspeita que perduraria anos a fio — e, decerto, perdurará — de que fora António Roquette, seu companheiro na Casa Pia e guarda-redes da Selecção Nacional, reconhecido agente da PIDE, que o esmurrara assim impiedosamente. Maria Claudina Guerreiro Nunes, sobrinha de Cândido, refutaria, recentemente, essa tese, mas não conseguiu afastar todas as cortinas de fumo: «O meu tio gostava muito do Roquette, que era um rapaz muito pobre, mas também um guarda-redes muito bom. Protegeu-o muito, garantiu-lhe refeições, ajudou-o a vestir-se, enfim, era um protegido privilegiado que, no entanto, não se portou bem quando o Cândido foi preso. Talvez não tenha feito tudo o que poderia para o proteger e defender na prisão, embora reconheçamos que não era fácil fazê-lo. Mas bater-lhe não lhe bateu. Sabemos que, posteriormente, Roquette tentou uma aproximação, mas o meu tio recusou.»

Fora deportado porque, durante a II Grande Guerra, os serviços da Gestapo em Portugal descobriram que se estavam a lançar as sementes de uma organização antifascista, ligada aos serviços secretos ingleses, vocacionada para orientar a luta de guerrilha contra os alemães no caso de estes se apoderarem da Península Ibérica. Exigiram a Salazar a prisão dos seus cabecilhas. Cândido era um deles. O principal. Pagou por isso na frigideira da morte. Sobre o Tarrafal escreveria um livro que talvez seja a denúncia mais arrepiante dos massacres no Pântano da Morte.
Logo que a sorte das armas se virou, após a decisiva derrota sofrida pelos alemães em Estalinegrado, Salazar apercebeu-se de que a causa alemã estava perdida e, prudentemente, foi-se aproximando dos Aliados. Estrategicamente, mandou libertar Cândido de Oliveira e todos os outros elementos do seu grupo. A 28 de Maio de 1944, para além da ordem de soltura, os governantes ofereciam a Cândido de Oliveira a sua reintegração como subinspector dos CTT. Mas Cândido, por uma questão de honra, recusou...

(in A Bola)

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