O princípio do século XX vai encontrar Jaime Corrêa do Inso, nascido em 18 de Dezembro de 1880 na freguesia de Nossa Senhora da Graça, concelho de Nisa e distrito de Portalegre, como aspirante de Marinha, cursando o 1º ano da Escola Naval.
A par da formação académica sucedem-se os embarques e em 1903 a sempre notória viagem de guarda-marinha, um dilatado período durante o qual eram aplicados no mar os conhecimentos técnicos adquiridos em terra.
Assim, a bordo do transporte de tropas “África”, após a travessia do Mediterrâneo, visita Macau e regressa escalando portos de Moçambique, Angola e Cabo Verde.
Esta viagem de fim de curso irá despertar-lhe a paixão pelas coisas da China e tornar Macau o seu lugar de eleição.
Embarca em 1904 na canhoneira “Pátria”, navio marcante na sua carreira, de que, mais tarde, será comandante e sobre o qual publicará, em 1951, um artigo nos Anais de Marinha.
Em inícios de 1905 o navio passa a estar integrado na Divisão Naval do Atlântico Sul, com base em Luanda e posteriormente, durante cerca de nove meses, escala os principais portos do Brasil, como prova de reconhecimento à comunidade portuguesa, aí residente, que com as suas contribuições para a Subscrição Nacional de 1890, efectuada como resposta ao Ultimato Inglês, tinha possibilitado a construção, no Arsenal da Ribeira das Naus, da canhoneira.
Foi a “Pátria” o primeiro e único navio de guerra nacional que subiu o Rio Amazonas e escalou o porto de Manaus. Após uma breve permanência em águas cabo-verdianas regressa à Metrópole, em meados de 1906, sendo então promovido a 2º tenente.
Continuam os seus embarques e retorna a Angola onde, durante um ano, exerce as funções de Encarregado do Depósito da Divisão Naval. Depois regressa aos navios e presta serviço no Corpo de Marinheiros.
Em 1909 inicia a colaboração nos Anais do Clube Militar Naval, a qual durará mais de meio século, com “Apontamentos sobre Movimentos Atmosféricos” em que determina as regras práticas para os navios evitarem ciclones e em 1910 publica “De Minimis... Deficiências diversas da Armada que devem ser remediadas: uniformes, material e legislação”, onde escreve: não será por demais que nos occupemos d’algumas pequenas coisas que representam deficiências que será bom remediar. Foi sempre um dos seus objectivos – Melhorar as coisas!
É instaurada a República e para o 2º tenente Jaime do Inso interrompido o período africano e restabelecidos os contactos com aquele Extremo-Oriente, que tanto o tinha cativado quando da viagem de guarda-marinha. Novamente a bordo da “Pátria”, em princípios de 1911, larga de urgência para reforçar a soberania de Portugal no distante Macau, que assistia, com preocupação, à queda do milenário Império Chinês e ao nascimento de uma então titubeante República. Pouco foi o tempo de permanência em Macau já que a situação em Timor era quase desesperada, pois um dos mais poderosos chefes nativos tinha-se revoltado e o Governo local não dispunha de um mínimo de forças militares capazes de controlar a situação. A “Pátria” ruma a Sul aportando a Díli, em Fevereiro de 1912. Durante oito meses com a artilharia de bordo apoiou as forças terrestres e os seus marinheiros participaram em terra não só em várias acções de combate como também na defesa de centros populacionais, nomeadamente de Baucau com uma força de desembarque comandada por Jaime do Inso que é louvado pelo Comandante da Estação Naval de Macau devido à maneira zelosa e acertada como dirigiu a coluna da Marinha em Baucau durante as operações de Timor em 1912 e pelo Ministro das Colónias por motivo dos bons serviços prestados durante as operações em Baucau, de 29 de Junho a 25 de Julho de 1912 como comandante do destacamento da Marinha que guarneceu aquela vila.
Três décadas depois, em 1942, dar-se-ia a ocupação japonesa que duraria até 45 e passado precisamente o mesmo espaço de tempo, em 1975, acontecia a invasão indonésia. Estranha e terrível esta periodicidade!
É de um realismo impressionante “Em Socorro de Timor”, a descrição da acção directa do navio e principalmente a actuação do seu pessoal em terra. Durante o século XX e antes da criação dos Fuzileiros, em 1961, muitas foram as acções das forças de desembarque das unidades navais cujos relatos estão dispersos por várias obras. Das intervenções mais notórias foi, logo a seguir à de Timor, a do pessoal do cruzador “Adamastor”, no rio Rovuma em 1916, durante a I Guerra Mundial depois, em 1925 e 26, a do cruzador “República” para proteger as comunidades portuguesas residentes em Cantão e Xangai, devido às manifestações raciais resultantes da guerra civil chinesa, em 1927, novamente em Xangai, para defender as feitorias ocidentais da cidade e finalmente a das guarnições das fragatas “Pacheco Pereira” e “Nuno Tristão” e dos patrulhas “S. Vicente” e “S. Tomé” que asseguraram a defesa das povoações de Ambriz e Ambrizete e reforçaram as forças terrestres em Cabinda, Landana e Sto. António do Zaire, em 1961, na fase inicial da subversão em Angola. Um projecto interessante seria o de reunir todos estes escritos numa única colectânea dando assim a conhecer as “Histórias dos Marinheiros em Terra no Século XX”.
As recordações de Macau levam Jaime do Inso a publicar, ainda em 1912, nos Anais do Clube “Ecos de Macau. Guerra dos Piratas. A Batalha de Lantau” e a proferir na Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1913, a conferência “Macau, a Jóia do Oriente”. Foram os seus dois primeiros trabalhos dos muitos que ao longo dos anos iria fazer sobre aquele diminuto enclave português incrustado na imensa China.
No principio dos anos trinta do século XX e após ter completado o período chinês, Jaime do Inso inicia o seu percurso como um homem ligado essencialmente à cultura, a faceta que mais o notabilizou. Até 1938 os seus embarques foram efectuados por períodos muito limitados, como Encarregado do Comando do cruzador “Vasco da Gama” e de Comandante da fragata “D. Fernando II e Glória”. Em terra prestou serviço no Comando Geral da Armada onde foi, durante um biénio, Defensor Oficioso junto do Tribunal da Marinha, exerceu funções de Oficial de Inspecção e fez parte de várias comissões encarregadas de estudar assuntos respeitantes ao Pessoal, cargos que comprovam as suas elevadas qualidades de carácter e isenção.
Em 1932 o seu livro “A Caminho do Oriente”, das Edições Elite, é premiado no Concurso de Literatura Colonial e no ano seguinte, também nas mesmas Edições, é dada à estampa “Visões da China”, uma colectânea de artigos da sua autoria publicados em jornais da Metrópole, Brasil e Macau e onde transcreve uma série de cartas inéditas de Wenceslau de Moraes que este lhe tinha endereçado, desde 1913, quando Cônsul em Kobe, até 1927 no exílio em Tokushima.
Em 1935 é promovido a capitão-de-fragata e regressa à Escola de Artilharia Naval, sediada na fragata “D. Fernando II e Glória“, tendo sido, como atrás citado, seu Comandante e cumulativamente Director da Escola, de Dezembro de 1937 a Abril de 38, data em que a Junta de Saúde Naval o considera incapaz para o serviço activo sendo então mandado para a situação de Reserva, mas continuando a exercer a tarefa de reunir dados para a história dos navios da Marinha.
O estudo da História e a respectiva investigação passaram a ser as suas actividades quase exclusivas. Assim, em 1939 é nomeado, por Despacho Ministerial, para prestar serviço na Secção de História do Estado Maior Naval e nesse mesmo ano é concluído, nos Anais do Clube, o seu trabalho “A Marinha Portuguesa na Grande Guerra”, cujos vários capítulos, que vinham a ser publicados desde 1937, descrevem a intervenção da Marinha no Continente e Ilhas, em Cabo Verde e em Moçambique, a actuação do Batalhão de Marinha em Angola, a Aviação Naval, o Transporte de Tropas e o Serviço de Comboios e para finalizar a participação da Marinha Mercante. Sublinhe-se uma sua afirmação na introdução desta obra, que revela a rigorosa metodologia utilizada na sua feitura e a ilação a que chegou: O que mais interessa, são os factos e esses procurámos autenticá-los com o máximo escrúpulo, não nos poupando às mais fastidiosas buscas e recorrendo a informações de testemunhas presenciais. Duma forma geral, podemos concluir, do que adiante se lê, que a nossa Marinha fez face a todas as emergências da guerra, numas condições deploráveis e por vezes inacreditáveis.
Esta obra, juntamente com “Em Socorro de Timor” de 1912 e a “China” de 1936 devem ser considerados os mais importantes títulos da sua longa bibliografia. Entretanto os seus estudos no Estado Maior Naval são variados e fundamentais para a História da Marinha nas primeiras duas décadas do século XX.
(in Revista da Armada)
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