16 de setembro de 2014

O "mistério" do convento da Orada


O Convento da Orada, propriedade de uma fundação privada que gastou pelo menos 1,1 milhões de euros de fundos públicos para o restaurar no início da década de 90, encontra-se em adiantado estado de degradação e está abandonado há cerca de cinco anos, no concelho de Reguengos de Monsaraz.

A cobertura do edifício apresenta danos consideráveis, algumas construções anexas estão já em ruína e com portas arrombadas, enquanto junto ao claustro pastam cavalos e porcos.

Comprado em 1988 por João Rosado Correia — um antigo ministro socialista e ex-Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano que nesse ano criou a Fundação Convento da Orada (FCO) e faleceu em 2002 — o convento, situado na aldeia do Telheiro, junto à vila de Monsaraz, foi palco, nos anos 90, de iniciativas culturais que lhe deram alguma notoriedade. Durante uma dezena de anos funcionou também como hotel rural, possuindo nas suas instalações um pequeno museu arqueológico. Há cerca de seis anos a exploração comercial do complexo esteve em vias de ser entregue ao grupo hoteleiro da família de José Miguel Júdice (advogado que já tinha ligações a João Alberto Correia na sociedade do conhecido restaurante Eleven), mas as negociações entre a fundação e o grupo fracassaram.

Quem hoje procura o convento depara-se com um matagal de ervas e cardos que ocupa o vasto largo fronteiro e quase impede os visitantes de se acercarem. O branco da cal deixou de brilhar nas paredes salitradas e sob o arco da entrada principal vêem-se no chão, despedaçadas, as placas de mármore que registavam a passagem de ilustres visitantes como Mário Soares e Jorge Sampaio.

Abandonado ou não?
“Aquilo está abandonado há meia dúzia de anos, só aí vinha às vezes o arquitecto, mas agora está preso”, diz um pastor que por ali apascenta as suas cabras, referindo-se a João Alberto Correia — um dos filhos de João Rosado Correia, que foi detido em Maio por suspeitas de corrupção no exercício das funções de director-geral de Infraestruturas e Equipamentos do Ministério da Administração Interna, das quais se desligou em Fevereiro.

Os raros turistas que descem de Monsaraz em busca do Cromeleque do Xerez, o monumento megalítico que foi transferido para as imediações do convento devido ao enchimento da barragem de Alqueva, bem tentam perceber porque é que o convento, hotel rural e museu de que falam os roteiros, está naquele estado. “Está abandonado há meia dúzia de anos”, repete o pastor, sem mais saber explicar. O mesmo é dito, aliás, por outros moradores da aldeia e de Monsaraz.

Contactada por e-mail, a única maneira possível de o fazer, a Fundação Convento da Orada — que tem morada de contacto na Escola Superior Gallaecia, um estabelecimento de ensino da área da arquitectura de que é proprietária em Vila Nova de Cerveira, no Minho, e que constitui actualmente a única expressão da sua actividade — nega, todavia, que o edifício se encontre abandonado.

Através de um advogado, afirma mesmo que “nos últimos anos, o convento recebeu inúmeros seminários, encontros e reuniões europeias, como se alcança da descrição das principais actividades da fundação, presente nos seus relatórios”. No entanto, os relatórios dos últimos seis anos, os únicos disponíveis no site da FCO, não referem uma única actividade ali efectuada.

De acordo com o advogado Diogo de Campos “o edifício deixou de reunir nos últimos dois anos as condições de segurança necessárias para a sua utilização permanente, em termos culturais e turísticos”, em consequência de “diversos temporais e de sismos de baixa intensidade, mas frequentes”.

Construído no século XVIII, o convento encontrava-se em ruínas quando foi comprado por Rosado Correia, em 1988. Para a sua reconstrução, feita com recurso às técnicas tradicionais da região, a fundação — que foi criada nesse mesmo ano pelo proprietário com o fito principal de restaurar, conservar e reutilizar o imóvel — mobilizou verbas próprias e recorreu a subsídios do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.

Segundo o seu mandatário, a FCO investiu nessas obras 3,2 milhões de euros, 8% dos quais (cerca de 252 mil euros) foram “comparticipados por fundos comunitários”.

Numa segunda resposta, face aos números divergentes fornecidos ao PÚBLICO pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo (CCDR), a fundação veio dizer que o financiamento europeu “corresponde na actualidade a valores inferiores a 50% do investimento total nos imóveis” — o que equivale a qualquer coisa como 1,5 milhões de euros. Os 8% antes indicados têm a ver, acrescentou, com a comparticipação comunitária na “qualificação da envolvente” do convento.

(in Público)

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