Nascido em Moura, Alentejo na véspera de São João, em 1917, a relação de Luís Piçarra com Carcavelos, começa quando seu pai, Luíz da Costa de Aguilar Piçarra, de uma família de grandes proprietários alentejanos, compra em 1934, as Quintas das Palmeiras e das Forras, a Maria da Conceição de Pinho, viúva de Emídio Augusto Pimentel de Figueiredo. É então que Luís conhece Maria da Conceição Ramil de Figueiredo- Masita - , neta dos antigos proprietários, com quem viria a casar em 1941.
O futuro tenor, frequentava na altura o 1º ano de Arquitectura da Escola de Belas Artes de Lisboa, mas já a sua atracção pelo canto começava a ser mais forte. Começou por ter aulas com o barítono D. Fernando de Almeida e, mais tarde com a cantora lírica Hermínia de Alagarim, estreando-se em público, num concerto na Academia dos Amadores de Música em que participaram alunos desta professora, onde cantou uma selecção de árias do “ Barbeiro de Sevilha”. A esse propósito Luís de Freitas Branco escreveu no “O Século”: “ Rossini teria encontrado no nosso compatriota a voz modelada e maleável com que sonhou quando escreveu a difícil partitura”. Embora tenha frequentado ainda durante mais dois anos as Belas Artes, Luís Piçarra acaba por se dedicar inteiramente como profissional à sua vocação.
Começa assim uma carreira que o levou às sete partidas do mundo, Brasil, Argentina, Egipto, Líbano, Grécia, Itália, Espanha, Suiça, França, Moçambique, África do Sul , Angola...dando centenas de concertos, passando pelo teatro ( ópera e, sobretudo, dezenas de operetas e revistas), pelo cinema (como entre outros o filme “Pão Nosso” de Armando de Miranda), em que interpretou pela primeira vez “ O meu Alentejo”.
Em Portugal foi actuando ao longo de toda a sua carreira pela maior parte das salas de espectáculo do país.
Gravou, por esse mundo fora várias centenas de discos, obras de vários géneros, como ," Fiandeira", “Granada”, “Amor é Lume”,( da ópera "Salúquia" ,de João Camilo) “Santa Maria dos Mares”, “Colorado”," Pourquoi me reveiller", "L´Amour est si près de la peine", "Copacabana", "Questa o quella", “Avril au Portugal” ( versão francesa de “Coimbra “ de Raúl Ferrão), "Una furtiva lacrima", "Aguarela do Brasil" e muitos mais, sem esqueçer o "Ser benfiquista" , claro...
Em Paris actua com Edit Piaff, em 1950 no show ”This is Europe”, transmitido pela ECA ,em cadeia para emissores de todo o mundo. Em Novembro de 1950 , fixa-se em Paris, onde interpreta o principal papel na opereta “Colorado” no teatro municipal “Gaitè Lyrique”, na altura o mais famoso teatro de opereta da capital Francesa. Curiosamente, foi editado em França em 2005, um CD intitulado “La Grande Époque de l`Opérette” no qual, uma das faixas reproduz “ Colorado”, a marcha de abertura da opereta do mesmo nome, cantada pelo cantor português. Nos períodos que está em Portugal, embora tenha a sua casa no Príncipe Real em Lisboa, passa largas temporadas com a família, em casa dos sogros, na Rua Manuel de Arriaga, 46, que pertencendo já à freguesia da Parede, fica na prática em Carcavelos. Aí vivem, com os avós maternos os seus dois filhos , quando os pais se ausentam para o estrangeiro, excepto durante o período em que a família viveu na casa de Paris. Nos finais da década de 50 , Luís Piçarra manda construir uma casa em Carcavelos , projecto seu, nos Lombos, R. Eduardo Maria Rodrigues, onde a família passa a residir. Em 1968, numa altura em que cumpria um contrato em Luanda faleceu Masita, que ficara dessa vez em Carcavelos, de doença súbita, apenas com 48 anos.
Depois de uma curta estadia , Luís “ refugia-se” em Luanda tentando esquecer. Aí desempenha o papel de director do Centro de Preparação de Artistas da Rádio e é professor de canto teatral na Academia de Música durante alguns anos. Casa pela segunda vez em 1972 com Maria Beatriz Navarro y Rosa. Em 1975 regressa a Portugal. Doente, acaba por perder a voz. Entretanto ainda publica um livro de memórias e escreve e compõe uma opereta , inspirada no “Mário” de Silva Gayo, que nunca chega a ser posta em cena.
Em 1985, recebe a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique. Faleceu em 1999, em Lisboa , de cancro. Seus filhos, netos e um bisneto, bem como os familiares mais chegados de sua mulher ainda residem Carcavelos.
Em 2004, foi dado o seu nome a uma das novas ruas da Quinta do Barão.
Mário Catarrunas