Natural de Fronteira (Portalegre) — 25 de Setembro de 1897 a 23 de Junho de 1958 Cândido nasceu numa terra onde o pão se amassa(va) com lágrimas.
E o trigo já tinha sabor a fogo. Ou a sangue. Em Fronteira. No Alentejo. Era o último de 10 irmãos de uma família de poucos teres. Por isso o levaram, pequenino, para a Casa Pia. Em Belém, se deu asas ao sonho do futebol que descobrira nas ruelas da aldeia com bolas de trapos, descobriu, também, que a vida só poderia ter sentido com solidariedade. Com coração. Sempre. Pequenino, revelou-se logo
de uma inteligência do tamanho da sua sensibilidade. E com um ardor
físico ao nível de ambas. Da equipa do colégio saltou, naturalmente, para o Benfica. Pela mão de Cosme Damião, o casapiano que se tornara seu ídolo. Jogou futebol com muito brilho, ganhou campeonatos de luta grecoromana.
Mas Cândido nunca foi capaz de ceder ao seu sentimentalismo. Quando, em 1919, um grupo de casapianos que se aconchavara no Benfica decidiu formar o Casa Pia Atlético Clube, não teve dúvidas: mudou de camisola. Ribeiro dos Reis e Vítor Gonçalves (esse mesmo, o pai de Vasco, que no PREC haveria de ficar famoso...) resistiram e continuaram de águia ao peito. Apenas com ligação sentimental ao Casa Pia. E com as quotas sempre em dia. Foi com a camisola dos gansos que Cândido de Oliveira jogou na primeira Selecção Nacional. Contra a Espanha. Em 1921. Era magnético o seu carisma. Por isso, sem surpresa o escolheram para capitão da equipa das quinas...
Nesse comenos era funcionário superior dos Correios. Para onde entrara em 1915, com 19 anos. E também era o redactor principal do jornal Vitória, um dos primeiros periódicos desportivos editados em Portugal. Não muito depois passaria a redactor de O Século e de outros jornais que foram morrendo, entretanto, como o Football e Os Sports. Não era apenas um homem dos futebóis. Era um homem de cultura e de solidariedade no futebol.
E na vida. Sempre com um aguçado instinto de reportagem e de crítica de injustiças. Com dignidade. Um dia, em Abril de 1925, em O Século mandaram-no fazer a cobertura das acções de preparação e de estratégia das tropas governamentais. Foi e fez o trabalho com a perícia costumeira. A reportagem ficou no tinteiro, mas Cândido saberia, não muito depois, que as informações que recolhera tinham sido transmitidas ao pormenor aos revoltosos precursores do 28 de Maio! Demitiu-se do jornal, como protesto pelo abuso de que tinha sido vítima. Conspirara contra a democracia sem o saber, porque alguém lhe transformara a profissão em espionagem. Só voltou à Redacção quando percebeu que o jornal se democratizara. Na medida do possível...
Era homem a quem não faltava tempo. Trabalhava, treinava-se, cultivava-se. E nunca perdia o sentido da acção social. E política.
Em Abril de 1942 foi preso pela PIDE. Estava em casa. Tocaram. Entraram. Eram os torcionários riscando-lhe a noite de mágoa. Espancaram-no ferozmente e foi de boca a sangrar, o corpo amachucado, os dentes partidos, que ele embarcou para Cabo Verde, a caminho do Tarrafal. Desse dia trágico da prisão na sua casa na Rua do Forno do Tijolo nasceria a suspeita que perduraria anos a fio — e, decerto, perdurará — de que fora António Roquette, seu companheiro na Casa Pia e guarda-redes da Selecção Nacional, reconhecido agente da PIDE, que o esmurrara assim impiedosamente. Maria Claudina Guerreiro Nunes, sobrinha de Cândido, refutaria, recentemente, essa tese, mas não conseguiu afastar todas as cortinas de fumo: «O meu tio gostava muito do Roquette, que era um rapaz muito pobre, mas também um guarda-redes muito bom. Protegeu-o muito, garantiu-lhe refeições, ajudou-o a vestir-se, enfim, era um protegido privilegiado que, no entanto, não se portou bem quando o Cândido foi preso. Talvez não tenha feito tudo o que poderia para o proteger e defender na prisão, embora reconheçamos que não era fácil fazê-lo. Mas bater-lhe não lhe bateu. Sabemos que, posteriormente, Roquette tentou uma aproximação, mas o meu tio recusou.»
Fora deportado porque, durante a II Grande Guerra, os serviços da Gestapo em Portugal descobriram que se estavam a lançar as sementes de uma organização antifascista, ligada aos serviços secretos ingleses, vocacionada para orientar a luta de guerrilha contra os alemães no caso de estes se apoderarem da Península Ibérica. Exigiram a Salazar a prisão dos seus cabecilhas. Cândido era um deles. O principal. Pagou por isso na frigideira da morte. Sobre o Tarrafal escreveria um livro que talvez seja a denúncia mais arrepiante dos massacres no Pântano da Morte.
Logo que a sorte das armas se virou, após a decisiva derrota sofrida pelos alemães em Estalinegrado, Salazar apercebeu-se de que a causa alemã estava perdida e, prudentemente, foi-se aproximando dos Aliados. Estrategicamente, mandou libertar Cândido de Oliveira e todos os outros elementos do seu grupo. A 28 de Maio de 1944, para além da ordem de soltura, os governantes ofereciam a Cândido de Oliveira a sua reintegração como subinspector dos CTT. Mas Cândido, por uma questão de honra, recusou...
(in A Bola)